Esta é uma reflexão voltada a quem tem acompanhado o desenvolvimento de
Tormenta 20 e se interessa pela relação entre ataque e defesa no sistema (que
tem sido bastante discutida). Se você é um recém-chegado ao mundo de Arton (ou
se não se interessa por balanceamento, matemática, etc), você também pode tirar
proveito dela, mas possivelmente não tanto. De qualquer forma...
Imagine um jogo onde os personagens e inimigos tiram metade da vida uns dos outros com 1 ataque, mas erram 80% das vezes.
Eles levam em média 10 ataques cada para encerrar o combate (2 dos quais eles acertam, tirando toda a vida).
Agora imagine esse mesmo jogo, mas agora eles erram apenas 60% das vezes, porém tiram apenas um quarto da vida uns dos outros com 1 ataque.
Eles ainda levam em média 10 ataques cada para encerrar o combate (4 dos quais eles acertam, tirando toda a vida).
Por fim, imagine que agora eles erram apenas 20% das vezes, porém tiram apenas um oitavo da vida uns dos outros com 1 ataque.
Eles continuam levando em média 10 ataques cada para encerrar o combate (8 dos quais eles acertam, tirando toda a vida).
Em suma, não é SÓ a defesa e o ataque que interessam. Você tem que observar também o dano. Já deu pra perceber, né?
Se você acerta mais e dá menos dano, só o
que muda mesmo é que você tem mais vezes a alegria de ter acertado. E não tem a
decepção de errar o tempo todo.
Você também pode dar críticos mais vezes, se seu dano normal não é tão alto. Porque aí um crítico não tem chance de exterminar um inimigo muito forte (um boss) de um só golpe. Você não vai estragar uma luta por pura sorte e, de quebra, ainda ganha a alegria do crítico mais vezes. Já notaram que T20 tem um monte de coisa para dar mais críticos, não é? Isso vem junto no pacote.
Porque não ter mais 1/2 nível no dano, não multiplicar bônus de dano no crítico, ter mais dificuldade para aumentar atributo, os passos dos dados estarem mais moderados, etc, tudo isso é uma troca.
Menos dano por mais acerto e mais críticos. Menos dano, mas menos frustração do erro e mais satisfação do acerto e do crítico. É bem visível qual é a intenção por trás do design:
"Aumentar a sensação de diversão e diminuir a sensação de frustração."
"Te divertir mais."
Talvez você levante a questão: mas e os monstros não têm acerto demais, também? E junto com muito dano?
Essa já é uma questão derivada, que envolve a questão tratada aqui, sim, mas também engloba o nível de desafio (begginer, easy, hard, expert) que o jogo visa proporcionar. Também a duração de combates (nunca esqueça que em 30 segundos de filme pode-se trocar duas dúzias de golpes, mas numa mesa de RPG o mesmo pode levar duas horas para resolver).
E, no caso do T20, engloba também a relação entre o tanto de recursos que o enfrentamento do monstro visa drenar de você versus o quanto de recursos você consegue recuperar por dia. Aí entram as fontes de aumento de recuperação também, etc e tal. Isso vai longe...
Mas lembre-se que o mostro também sofre com o dano crítico super reduzido, agora. Então, mesmo com mais acerto e dano, é mais difícil ele te obliterar num golpe de sorte.
De qualquer forma, o que eu queria mesmo era proporcionar uma reflexão sobre o caso do acerto versus dano, puxando para o assunto da frustração X satisfação. Isso é o que importa aqui. Só mencionei monstros porque sei que uma coisa puxa a outra.
E quero finalizar dizendo que se você desse muito mais dano e erasse bem mais, uma luta onde todo mundo erra toda hora não é uma luta empolgante de ser ver, sabe.
É uma piada pronta.
Mais ou menos. Tem um detalhe na luta em que todo mundo erra o tempo todo mas com dano super alto: Um golpe de sorte vira o jogo completamente. Embora eu concorde que muitas vezes isso vire uma piada pronta, em outras pode ser um puta momento de tensão, ou proporcionar momentos de glória quando um personagem mais fraco faz um boss ficar com medo - mesmo que isso não dure.
ResponderExcluirUma coisa que eu acho que não ficou claro é que eu não pretendo elogiar a decisão de design, nem criticá-la, mas sim expô-la, para que as pessoas percebam "Ah, eles fizeram isso!"
ExcluirDe qualquer forma, muito obrigado pelo comentário. Todas as opiniões que contribuam para reflexões positivas são muito bem vindas.
Parabéns pelo texto, reflexão importante!
ResponderExcluirAchei interessante quando você ressalta a relação entre acerto/dano e frustração vs satisfação, neste ponto a reflexão pode se desdobrar em questões maiores que fogem do âmbito do RPG. Para não me alongar muito, gostaria de ressaltar que muitas vezes nós, RPGistas, naturalizamos o jogo e não nos damos conta do simples fato do RPG ser um entretenimento e como tal ter a missão de ser divertido; não existe bom entretenimento que cause muita frustração em seu público, em outras palavras, a sensação de satisfação alimenta o entretenimento de modo que se o jogador erra o tempo todo o jogo se torna chato e desinteressante.
A Jambô parece perceber muito bem esta relação e propõe uma solução interessante no T20, que se preocupa com a diversão da mesa e a satisfação dos jogadores além de uma mecânica ultracomplexa. Se isso é bom ou não? Não sei, mas continuar sustentando a reflexão é importante.
Cheguei até esse texto pelas analises da classe de T20, em muitos anos de rpg nunca tive que me dedicar tanto a um sistema e ainda assim achar que todo meu esforço de esmiuçar e entender cada demanda que o jogo oferece, vai ser inútil quando posto na prática. A sua foi uma ótima tentativa pra tentar amenizar a carga negativa que eu desenvolvi deste RPG, mas não foi o suficiente, mas senti que quase chegou lá... Mas não funcionou comigo, comecei no RPG com WoD na adolescência, na juventude tive contato com D&D e agora, depois de "velho" to aprendendo a desbravar Arton e minha vontade de transformar o livro em peso de papel só cresce. Comecei a experiência com a campanha heróica, com um ótimo mestre que conhece bem o sistema e, portanto, compreende seus pontos fortes e fracos e acho que só isso não me fez abandonar ainda o cenário. Mas o jogo definitivamente não é recompensador. A jornada heróica não é bem escrita mecanicamente e infelizmente tem sido uma péssima experiência. Já completei campanhas emocionantes e difíceis como a Curse of Strhad e Storm Kings Thunder (ambos D&D) entendendo as implicações que genero do cenário precisa impor para as mecânicas, como níveis de desafio díspares com a realidade dos personagens, mas nada se compara ao ideia de tormenta. Várias clásses, várias raças, dezenas de origens, dezenas de poderes, um mar revolto de condições que deixa a ideia do sistema um verdadeiro tumulto. E toda variedade é praticamente inútil porque para superar os desafios da jornada heróica sem trocar de personagem como se fosse um joguinho de lutinha virtual, você precisa escrever um combo completamente ornado que vai definitivamente deixar de lado 80% do conteudo que o livro te oferece. A ideia de jogar com o "meta" subverte o critério imaginário que o RPG de mesa incentiva e te joga num mundo gamificado como se fosse um MMORPG ou um jogo virtual, onde você assume posições predeterminadas a desempenhar pra conseguir confrontar certos desafios. O conceito de jornada e herói então... os autores amassaram e jogaram no lixo. Tenho ouvido que "jornada heróica" é pra ser difícil pois o ~~~heróica~~~ é um adjetivo que implica no aumento da dificuldade e não num conceito de se criar um herói. Sabem onde tem um critério de escalonamento de dificuldade curiosamente semelhante? Em jogos de MMORPG, uma mesma dungeon pode ser explorada em diversas modalidades com dificuldades variadas (no World of Warcraft, você tem a normal, heróica, mítica que progride até níveis +10, +11...), de modo que tem coisa mais frustrante que entrar num RPG de mesa e ter que se formatar pra evitar justamente a frustração?
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